Em 02/05/2022, o Superior Tribunal de Justiça afetou dois recursos especiais (REsp n. 1.905.573/MT e 1.947.011/PR) ao Tema Repetitivo n. 1145, para julgamento da seguinte questão: “Definir a possibilidade de deferimento de pedido de recuperação judicial de produtor rural que comprovadamente exerce atividade rural há mais de dois anos, ainda que esteja registrado na Junta Comercial há menos tempo.”
A Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Lei n. 11.101/2005 – fixa alguns requisitos para o ajuizamento do pedido de recuperação judicial pelo devedor. Dentre os requisitos obrigatórios, para o deferimento do início do processo, estão a prévia inscrição do devedor no Registro Público de Empresas (Junta Comercial) e a comprovação do exercício regular de atividade empresária há mais de dois anos.
Durante quinze anos, muito se debateu na doutrina e jurisprudência pátrias acerca da obrigatoriedade de se exigir o cumprimento desses requisitos do Produtor Rural, e até mesmo se poderia se beneficiar do instituto da recuperação de empresas da Lei n. 11.101/2005, principalmente em se tratando de Produtor Rural pessoa física.
Isso porque, nos termos do Código Civil de 2003, o Produtor Rural será considerado empresário a partir de seu registro na Junta Comercial, por mais que sua inscrição no registro de comércio seja facultativa e não obrigatória.
Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça publicou resultado de julgamento de leading case que pretendia resolver ditas discussões. Ao dar provimento ao recurso especial – REsp n. 1.800.032/MT, a 4ª Turma firmou entendimento no sentido de que o registro mercantil do Produtor Rural possui natureza constitutiva de equiparação à empresário, com seus efeitos retroativos (ex tunc).
Ou seja, em se tratando de Produtor Rural, cujo registro é facultativo, o ato da inscrição na Junta Comercial não dá início à atividade empresária em si, mas apenas o reconhece e o equipara como empresário, retroagindo os efeitos dessa equiparação ao efetivo início do exercício da atividade econômica rural, a qual é considerada como em situação regular desde aquela data, inclusive antes do registro.
Dessa forma, o período anterior ao registro pode sim ser somado pelo Produtor Rural no cômputo dos dois anos mínimos de exploração de atividade rural, exigidos enquanto requisito obrigatório para o ajuizamento do pedido de recuperação judicial, o qual poderá englobar todas as dívidas existentes antes mesmo do registro, desde que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminadas em documentos contábeis nos termos da lei.
Por sua vez, no ano de 2021, com a reforma implementada pela Lei n. 14.112/2020, o Produtor Rural foi expressamente recepcionado na Lei de Recuperação de Empresas, seja pessoa jurídica, seja pessoa física.
Inclusive, a nova redação da Lei n. 11.101/2005 passou a esclarecer que o Produtor Rural pode comprovar o exercício regular de sua atividade empresária por meio de balanço patrimonial e registros contábeis nos termos da legislação correlata vigente. No caso de pessoa física, a comprovação da atividade rural, por no mínimo dois anos, poderá ocorrer ainda mediante livro caixa e DIRPF, por exemplo.
Entretanto, apesar do avanço com a reforma legislativa operada em 2021, impulsionada pelo julgamento do leading case – REsp n. 1.800.032/MT, no qual o Superior Tribunal de Justiça acertadamente conferiu interpretação e tratamento benéfico ao tema, em se tratando de recuperação judicial de Produtor Rural, alguns magistrados e tribunais regionais ainda estão exigindo na prática a comprovação de registro na Junta Comercial por pelo menos dois anos, o que não se mostra correto.
Portanto, recentemente, com o objetivo de pacificar referida controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça afetou a questão ao Tema Repetitivo n. 1145, como dito, para que a decisão final a ser proferida pela Segunda Seção da Corte Superior passe a ser observada, com força vinculante, por todos os juízos inferiores, em sede de processos de recuperação judicial de Produtor Rural.
Por Priscila Melo Turkot