Pela primeira vez, um Estado editou norma para regulamentar as situações em que fiscais poderão autuar e desconsiderar planejamentos tributários de empresas. Apontada como arrojada por especialistas, a Lei nº 7.988, publicada pelo Rio de Janeiro, está em vigor desde a semana passada e cria regras regionais para a chamada norma antielisiva do Código Tributário Nacional (CTN).
Planejamentos ou negócios jurídicos costumam ser “desfeitos” não só por fiscais estaduais, mas também por auditores da Receita Federal, quando consideram uma operação abusiva – feita apenas com o objetivo de evitar ou reduzir a tributação. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, a multa de 75% sobre o imposto devido sobe para 150%, se configurada fraude.
Segundo a Secretaria da Fazenda do Rio, a Lei nº 7.988, de autoria do Executivo, “assegura a possibilidade de defesa para contribuintes suspeitos de praticar irregularidades no pagamento de impostos”. Além disso, de acordo com nota enviada pelo órgão, “garante que os tributos sejam pagos e evita eventuais disputas judiciais que adiem o recebimento por parte do governo”.
Pela nova lei, o auditor deverá fundamentar a decisão para a cobrança da multa. Antes disso, o Fisco deverá intimar a empresa a prestar esclarecimentos no prazo de 30 dias sobre os fatos, causas, motivos e circunstâncias que levaram à prática do negócio jurídico com indício de dissimulação. Se a intimação não for atendida ou as informações estiverem incompletas, o negócio jurídico será desconsiderado.
O CTN autoriza desde 2001, por meio do artigo 116, que a autoridade administrativa desconsidere atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
A possibilidade (norma antielisiva federal), porém, é alvo de críticas por ser considerada aberta e sujeita a critérios subjetivos por parte do Fisco. Por isso, a edição da lei pelo Rio é vista como uma boa iniciativa por tributaristas.
Segundo Bianca Xavier, do Siqueira Castro Advogados, assim como no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), são comuns discussões nos tribunais administrativos estaduais sobre planejamentos tributários.
São comuns, de acordo com a advogada, autuações contra empresa com muitos débitos de ICMS que incorpora outra com muitos créditos e reduz sua dívida por meio de compensação. Ou contra empresa que compra o fundo de comércio (todos os ativos) de outra e também usa créditos de ICMS da adquirida para reduzir a dívida. Outra situação envolve companhias que reduzem capital com entrega de mercadoria para terceiros. Em todos os exemplos, o Fisco alega que a operação é uma dissimulação para evitar o pagamento do imposto estadual.
“Não são casos de transferência nem venda de créditos de ICMS. É o contribuinte organizando o negócio dele conforme as condições logísticas e empresariais. Mas o Fisco entende que o único propósito da operação é pagar menos ICMS”, diz Bianca, que comemorou a iniciativa de criação de um procedimento que garanta o contraditório – a prévia defesa das empresas.
A criação de um procedimento objetivo para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos é elogiável, para o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados. “Na esfera federal o artigo 116 do CTN não foi regulamentado e isso ficou bagunçado. Em tese, no Rio, a desconsideração só acontecerá no caso de abuso.”
Como a nova lei tem efeitos somente da sua publicação em diante, de acordo com Bichara, não se aplicará a autuações já lavradas. “Contudo, agora o auto de infração poderá ser anulado, se o Fiscal não seguir as novas regras”, diz.
Para o advogado Luiz Felipe Centeno, do Mattos Filho Advogados, por meio da lei o governo do Rio busca, principalmente, dar uma base legal para o fiscal desconsiderar as estruturas que entenda esconderem algum tipo de dissimulação.
Além disso, acrescenta o advogado, a subjetividade para a desconsideração ainda persiste. “Apesar de garantir o contraditório, ao deixar de trazer um conceito jurídico do que é dissimulação de fato gerador de tributo, a nova lei ainda deixa em aberto para os auditores interpretarem como quiserem”, afirma.
Em 2015, o governo federal instituiu a exigência de declaração de planejamentos tributários pelos contribuintes a partir da Medida Provisória nº 685. A norma obrigava as companhias a informar, até 30 de setembro de cada ano, negócios jurídicos realizados que acarretassem supressão, redução ou adiamento do pagamento de tributos ou aplicaria multa de 150%. Contudo, a polêmica foi tão grande que a Receita Federal desistiu da exigência.
Fonte: Valor Econômico
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