O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a validade do índice de correção monetária aplicado a investimentos no início do Plano Real – em julho e agosto de 1994. A decisão tomada ontem, por maioria de votos, afasta uma perda para o governo que poderia chegar a R$ 2,47 bilhões, segundo cálculos da Advocacia – Geral da União (AGU).
A conta da AGU considera 23 ações em que investidores pedem correção de títulos públicos. Existem outras, com cobranças de investidores diretamente a bancos. No total, são cerca de 40 processos em tramitação, segundo os advogados da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). Outras ações sobre o tema que envolviam bancos privados já foram encerradas em acordos.
No julgamento, foi considerado constitucional o artigo 38 da Lei nº 8.880, de 1994, que dispôs sobre o uso da Unidade Real de Valor (URV) para o cálculo dos índices de correção monetária nos primeiros meses de circulação da moeda “Real”.
A decisão foi dada em ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 77) proposta pela Consif. O dispositivo não está mais em vigor, por ter produzido efeitos apenas em um momento de transição da moeda.
Nos processos que ainda tramitam na Justiça, investidores alegam que, com a URV, entre julho e agosto de 1994, a correção monetária foi desfavorável, com a aplicação do IGP-2, e não do IGP-M, ambos da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em julho de 1994, o IGP-2 registrou 4,33% e, em agosto, 3,94%. O IGP-M variou 40% em julho e 7,56% em agosto.
“Discutir o Plano Real depois de 25 anos da sua edição seria discutir o princípio maior da segurança jurídica”, disse, em sustentação oral, o advogado da Consif, Marcus Vinícius Vita Ferreira, do escritório Wald Advogados, citando voto do ministro Teori Zavascki, falecido em 2017, ao julgar cautelar sobre a ação, em 2014.
O advogado destacou que não há correlação do caso com outros planos econômicos. “Não há centenas de milhares de poupadores. Há meia centena de ações de investidores, com montante que passa de bilhões de reais”, afirmou.
Segundo o procurador-geral do Banco Central (parte interessada), Cristiano Cozer, as ações sobre o assunto são de iniciativa de alguns poucos investidores institucionais, em especial bancos e gestores de ativos. São instituições, acrescentou, que tinham condições de saber os efeitos da mudança. “Poderiam se desfazer da carteira de títulos públicos. Mas preferiram aguardar o desenrolar dos investimentos para questionar supostas perdas”, disse em sustentação oral.
Já o advogado do grupo de investidores Multiplic Limitada, também parte interessada na ADPF, Francisco Rezek, do escritório Francisco Rezek Advogados, destacou a excentricidade da ação. Segundo Rezek, investidores confiaram que não lhes seria feita nenhuma “perversidade” nos meses subsequentes. “Comporta-se [a União] como um dono de cassino, que avidamente recolhe qualquer aposta, mas reluta em pagar os prêmios prometidos”, disse.
Oito dos dez ministros que participaram do julgamento – o ministro Luís Roberto Barroso estava impedido – votaram pela validade do artigo 38 da Lei nº 8.880, de 1994. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, considerou que o artigo regulamentou as bases a serem adotadas no cálculo dos índices de correção monetária, sendo dispositivo imanente na criação da moeda e que teve como função manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Para o relator, o dispositivo, que tem natureza institucional estatutária e poderia ser aplicado imediatamente, não viola o artigo 5º, XXXVI, da Constituição. O dispositivo constitucional afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Além do relator, votaram pela constitucionalidade os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio divergiram da maioria.
Fonte: Valor Econômico
Link: https://www.valor.com.br/legislacao/6259729/uniao-vence-disputa-sobre-correcao-de-investimentos