O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu recentemente decisão inédita, na qual afastou a prerrogativa dos credores de empresas que se encontram em processo de Recuperação Judicial de acionarem os avalistas da dívida para realizar a cobrança do seu crédito. A decisão é no mínimo atípica, quando menos, polêmica.
Isto porque, o entendimento que sempre prevaleceu é o mesmo da Súmula nº 851, emitida pelo Superior Tribunal de Justiça a qual garante que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”. Ou seja, por este motivo, os avalistas de dívidas de empresas que estão em Recuperação Judicial se tornam o principal alvo das cobranças.
No caso em questão, avalistas de uma das usinas de álcool e derivados do Grupo Farias, que está em processo de recuperação judicial, estavam sendo cobrados por meio de Ação de Execução. O relator do caso, Desembargador Roberto Mc Cracken, todavia, afastou a possibilidade de cobrança dos avalistas, utilizando-se para tanto da exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 49, da Lei de Recuperações e Falências, nº 11.101/2005, o qual dispõe que muito embora as obrigações anteriores à recuperação judicial devam observar as condições originalmente contratadas, estas não serão preservadas se, de modo diverso, ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
E no caso em apreço a decisão pela possibilidade de blindagem dos avalistas deu-se justamente em razão da existência de cláusula no próprio Plano de Recuperação Judicial do Grupo Farias, aprovado em Assembleia Geral de Credores, que previa expressamente que as ações e execuções contra as empresas em recuperação judicial, seus sócios, afiliadas e garantidores (avalistas ou fiadores), restariam suspensas enquanto fossem realizados os pagamentos pela Recuperanda.
Para o julgador, portanto, a partir da homologação do Plano de Recuperação Judicial, operou-se novação também em face dos avalistas, afastando assim a incidência da Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto.
E é neste ponto que se encontra a discussão polêmica sobre a decisão, vez que existem entendimentos proferidos pelo mesmo Tribunal de Justiça, no sentido que cláusulas como a prevista no plano de Recuperação Judicial do Grupo Farias, que alcançam terceiros, seriam ilegais.
Importante ressaltar ainda que o entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, decorre de tese que vem surgindo nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, nos quais os Ministros da 3ª Turma vêm entendendo que o plano de recuperação judicial pode estabelecer a supressão de garantias se os credores assim aprovarem. Além disso, destaca-se que todos os credores ficarão vinculados à decisão da maioria, independente dos que se posicionaram contra a aprovação do plano, se assim vencidos, ou dos que não participaram da Assembleia Geral.
Por fim, vale destacar que em que pese a mudança no entendimento majoritário, a Súmula nº 581 do Superior Tribunal de Justiça continua vigente. E será plenamente aplicável nos casos em que não houver previsão específica no Plano de Recuperação Judicial pela liberação dos garantidores. Sem contar que o credor ainda poderá acionar o avalista na fase inicial da recuperação judicial, entre o início do processo e a aprovação do plano de recuperação judicial.
Por Gabriela Andres
Mariana H. Zeni